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Monólogos
de Gênero

Diana Blok

Desafiando as fronteiras das identidades
de gênero em seis quadros


   
   
   
   
   
   

Quando fiz Adventures in Cross-Casting, anos atrás( junto con escritor Don Bloch), sabia estar diante de uma obra que desafiava fronteiras. A ideia de fotografar atores e atrizes encarnando personagens do sexo oposto desestabilizava as certezas convencionais acerca do gênero, tanto do público quanto dos artistas. Em Monólogos de Gênero, retomo a prática do desafio – desta vez não apenas do gênero, mas da própria fotografia – ao convidar seis atores e atrizes, brasileiros e holandeses, para escolher monólogos curtos de personagens e personalidades icônicas do sexo oposto e interpretá-los diante da câmera.

Quando perguntamos a elas e eles que papel gostariam de interpretar, os vimos adentrar em territórios profundos. Alguns embarcaram em novas fantasias. Outros já guardavam há muito o sonho dentro de si; demos asas a ele. Em nosso plano original, os artistas responderiam ao desafio escolhendo trechos marcantes de textos dramáticos clássicos – como alguns, de fato, fizeram. Todavia, esse não foi o único caminho. Longe disso. O que posso dizer, por mim mesma, é que as escolhas os tocaram profundamente. Alguns atores quiseram fazer referência a atuações que os tivessem impactado brutalmente. Foram guiados pela intuição do ator em relação ao personagem, não do personagem à abstração. Outros caminharam por seus alter egos. Outros... Bem, vejam vocês mesmas e mesmos!

Algo que pude observar, sem exceção, é que os atores demonstram um tipo e um grau de paciência e curiosidade muito impressionantes. Tomaram o tempo que julgaram necessário para estarem satisfeitos com suas transformações, olhando-se no espelho enquanto a maquiagem e o figurino os levavam para muito longe deles mesmos, até que finalmente “Pronto, é isso!” – deu-se o momento do reconhecimento, o mesmo exato momento que já conheço quando faço meus retratos, e que depois de tantos anos ainda não consigo explicar mas que para meu coração toda vez que vejo acontecer e tento capturar pelas minhas lentes.

Seis quadros. Seis retratos em vídeo. Seis vozes dissonantes. Seis observadores. Entre os silêncios e as falas, a tensão inerente às fronteiras se materializa num exercício poético de alteridade. Enquanto um fala, os demais esperam, se observam e se escutam. E se o impulso primordial da criação teatral é o enfrentamento da condição demarcada pelos limites do real cotidiano e o convite a experimentar no próprio corpo identidades estrangeiras e múltiplas, desejamos retomar esse impulso com a obra.

Entre o teatro e o vídeo, a literatura e a fotografia, a voz e o movimento, o Brasil e a Holanda, reconheço neste projeto o potencial de promover um diálogo global, a ser expandido para outros continentes, constituindo uma diversidade de monólogos e discursos. Questionam-se os limites dos formatos e dos suportes para questionar, em primeiro plano, os limites impostos pelo levante conservador que vivemos atualmente e pelas posturas cada vez mais discriminatórias da sociedade diante de indivíduos que transitam por identidades de gênero fora do padrão heteronormativo.

Os monólogos interpretados aqui são trechos extraídos de textos clássicos ou inspirados em falas de personagens e personalidades icônicas da cultura ocidental. Cinderela se encontra com Martin Luther King Jr. que se encontra com Antonin Artaud que se encontra com Maria Cecília Nachtergaele que se encontra com Liuba Andreiêvna que se encontra com Hamlet e que seguem se encontrando. Retratos do nosso tempo. Discursos e olhares que se provocam em conversas reveladoras e profundas sobre identidade, revolução e desejo.

Diana Blok, Rio de Janeiro, 2016